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“Em outros declives semelhantes, vimos, com
prazer, progressivos indícios de desbravamento, isto é,
matas em fogo ou já destruídas, de cujas cinzas
começavam a brotar o milho, a mandioca e o feijão”.(...)
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“Pode-se prever que em breve haverá falta até de madeira
necessária para construções se, por meio de uma
sensata economia florestal, não se der fim à livre
util ização e devastação das matas desta zona”.
“As ervas desse campo, para serem removidas e
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fertilizar o solo com carbono e extirpar a multidão de inse-
tos nocivos, são queimadas anualmente pouco antes de
começar a estação chuvosa. Assistimos, com espanto, à
surpreendente visão da torrente de fogo ondulando pode-
rosamente sobre a planície sem fim.” “(…) Há a atividade
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dos homens que esburacam o solo (…) para a extração
de metais. (...)” “Infelizmente (…), ávidos da carne do tatu
galinha, não ponderam sobre essas sábias disposições.
Perseguem-no com tanta violência, como se a espécie
tivesse de ser extinta”. “No solo adubado com cinzas das
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matas queimadas dá boas colheitas (…) Contudo, isso
se refere somente à colheita do primeiro ano; no segundo
já é menor e, no terceiro, o solo em geral está parcialmen-
te esgotado e em parte tão estragado por um capim com-
pacto, que a plantação é desfeita …”.
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“Em parte, haviam sido queimadas grandes
extensões das pradarias. Assisti hoje a este fenômeno
diversas vezes e, por um quarto de hora, atravessamos
campos incendiados, crepitando em altas chamas.”
Lendo as citações acima, o leitor pode estar se
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perguntando de onde elas foram extraídas, até pela
linguagem pouco usual, e a que lugares se referem.
Poderá imaginar que são trechos de publicações técnicas
sobre o meio ambiente, talvez algum relato de um
membro de uma ONG ambientalista ou de um viajante de
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Portugal ou outra coisa qualquer do gênero. Pois bem,
não é nada disso. Na verdade, as citações foram extraí-
das do livro “Viagem no Interior do Brasil” (1976, Editora
Itatiaia), do naturalista austríaco Johann Emanuel Pohl.
O detalhe que torna as citações mais interessantes para
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aquelas pessoas preocupadas com o meio ambiente é a
época em que foi feita a viagem: entre 1818 e 1819. Isto
mesmo, há quase 190 anos! Repito: cento e noventa anos
atrás. Triste constatar que, de lá pra cá, não só pouca
coisa mudou como retrocedemos em outras.
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O naturalista viajou pelos estados do Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Goiás e Tocantins e descreveu os cami-
nhos por onde passou. (...) O imediatismo, a destruição
pela cobiça, a nefanda prática das queimadas, a falta de
planejamento e o hábito de esgotar os recursos para
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posteriormente mudar o local da destruição são facilmente
percebidos ao longo do texto. Na verdade, dada a época
em que o relato foi feito, isto não constitui grande surpresa.
O mais impressionante é a analogia com os dias atuais.
(...) Quase dois séculos se passaram. O discurso
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ambientalista ganhou força e as ONG são entidades de
peso político extraordinário. Mas tudo indica que, na
prática, nada mudou.
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em
Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.
JB – Ecológico, ano V, no 71, dez/2007.